Cultura visual


por Leandro de Souza Silva


The statue of Edward Colston being pushed into the river Avon in 2020
Giulia Spadafora/NurPhoto via Getty Images 
Fonte: https://news.artnet.com/art-world/uk-retain-explain-statue-policy-2373450


ver também: Visualidades camponesas, Desenho, corpo

           
           Em nosso tempo, a experiência humana, embora atravessada por todos os sentidos, se impõe pela visão. E, apesar de nossa vivência não se reduzir aos olhos, a aguda presença das imagens no cotidiano, sobretudo no século XXI, desafia e confronta diversos campos de conhecimento. Ainda assim, há de se questionar a hegemonia do visual, afinal, a escrita, o som, o movimento e tantas outras manifestações reivindicam participação na vida. O ver ultrapassa natural ou fisiológico, além de transbordar algo universal. Aspectos sociais, culturais, políticos e simbólicos interferem tanto na leitura quanto na interpretação das visualidades.

Por considerar essa abrangência, a Cultura Visual dedica-se ao estudo dessas visualidades, ao compreendê-las como uma arena aberta ou um campo de batalha o qual converge uma diversidade de aspectos que inclui, mas também transborda o visual (MIRZOEFF, 2016). Isto posto, esse campo baseia na interpretação crítica da visualidade. Faz convergir estudos culturais, História da Arte, Antropologia, Linguística, Literatura, Cinema, numa abordagem interdisciplinar. Ao interrelacionar várias disciplinas do conhecimento, a Cultura Visual inclui, num conceito comum, todas as realidades visuais, sejam elas quais forem ou quais afetem os sujeitos em seu cotidiano (DIAS, 2011).

Em seu escopo teórico, situa a diluição do entendimento da obra de arte enquanto algo inalcançável e original, em muito contribuiu para o giro epistemológico pautado pela Cultura Visual (MARTINS, 2012). Quando enfatiza e subjetiva o sentido cultural operado olhar dos sujeitos, situa, problematiza e questiona temáticas e metodologias para além da visão ou da imagem, mas também sobre as formas culturais e históricas da visualidade (HERNÁNDEZ, 2011).

De forma rizomática, a perspectiva de análise orientada pela Cultura Visual inaugura indagações sobre as maneiras culturais do olhar e seus efeitos em nós. Amplia não apenas a forma de analisar, mas a forma de se perceber no mundo. Desse modo, ao transbordar o como (métodos) ou o quê(artefatos), constitui como somos vistos nas representações a nosso próprio respeito.

Quando observamos a primeira metade do século XIX, o termo “arte” contém uma compreensão de que, em sua autonomia, a “forma” artística pressupõe a valorização de certa erudição que excluiria, silenciaria e roubaria a atenção para outras interpretações, sobretudo sociais. Sob essa ótica, os aspectos formais e técnicos seriam reverenciados por décadas a fio.

No entanto, o início do século XX foi palco de questionamentos dos dadaístas e demais artistas subsequentes ao movimento que atacariam esse modus operandi do sistema da Arte e suas instituições, a fim de esgarçar a dicotomiaarte x vida. A exemplo disso, na Paris dos anos 20, ocorreu a Oficina de Investigação Surrealista, nos anos 30, os filmes e pinturas sobre realismo social, nos anos 50, em Nova Iorque, os happenings, ou o movimento FLUXUS, nos anos 60 (MARTINS, 2012).

Embora tais fatos tenham provocado outras noções de ver e fazer do ponto de vista ocidental, tantas outras estéticas colocam em suspensão as certezas que a História da Arte da branquitude e heternormatividade europeia ensinou. Vide a criatividade indígena mundo afora e de povos africanos em toda sua força poética, tal qual a potência visual de quem habita as margens dos grandes centros urbanos.

A resistência do sistema dito moderno, tem sua estrutura fragilizada frente às mudanças na economia, no mercado de trabalho e com a emergência de fortes críticas sociais iniciaram as transformações que seriam cruciais para o surgimento de uma outras abordagens no campo da arte que ecoariam nos estudos da Cultura Visual.

Em consequência disso, os avanços tecnológicos, bem como a popularização, usos e abusos das imagens pelo design e pela publicidade, deflagram outras utilizações de imagens, na chamada “virada pictórica” de Mitchell (MARTINS, 2012) a fim de problematizar a imagem na vida e na cultura.

Os estudos da Cultura Visual não propõem sufocar ou negar a História da Arte, pelo contrário. Ela trata da diversidade que há no mundo das imagens de forma que as disputas em torno do que se pode ver, quando e como se pode olhar tenha seu espaço garantido na vida. Não à toa Mirzoeff exclama, quero reivindicar o direito a olhar (2016).

Em 1996, quando a revista norte-americana de arte e cultura October, publica o artigo Welcome to the Cultural Revolution, de Rosalind Kraus e Hal Foster, os resultados de sua pesquisa evidenciaram que os métodos tradicionais da história da arte poderiam sublimar a criticidade e o conhecimento histórico (KRAUSS, 1996).

Posteriormente, ainda que desde os anos 1970 e 1980, nos Estados Unidos houvesse pesquisas no campo, autores como Willian Mitchell, Fernando Hernández e Nicholas Mirzoeff, bem como os brasileiros Raimundo Martins, Ricardo Campos e Belidson Dias avançarão com os estudos da Cultura Visual.

A abordagem da Cultura Visual propõe a interpretação crítica da visualidade, ocupando-se da diversidade presente no mundo das imagens. Ao transbordar o estético, busca compreensões sobre o papel social da imagem, dos artefatos artísticos ou não e considera a produção visual presente na vida como prática social, cultural e política. Provoca a questionar: o que não está visto? O que está sendo ocultado, não dito? A quem interessa tal visualidade?

Embora possa conferir criticidade à leitura das visualidades por meio de perguntas, essa abordagem não estabelece uma rota definida, única e determinada, pelo contrário, assenta-se nas suspeitas tão caras para o processo educativo que emancipa e inaugura diálogos. Isto é, implica o não visto nos discursos estéticos, atua como mostrar o ver de forma crítica e atenta.

Assim, o campo de estudos da Cultura Visual contesta aquilo que é invisível e visível, dito ou não e, como estratégia analítica, serve como defesa diante da subalternização e de persistentes discursos dominantes que investem na cegueira e no emudecimento diante das visualidades.

 

bibliografia
DIAS, B. O I/mundo da educação em cultura visual. Brasília, Distrito Federal, Brazil: Programa de Pós-Graduação em Arte, Universidade de Brasília, 2011. 204 pages p. 97.
HERNÁNDEZ, F. A cultura visual como um convite à deslocalização do olhar e ao reposicionamento do sujeito. Educação da cultura visual: conceitos e contextos. Santa Maria: Editora da UFSM, p. 31-49, 2011.
KRAUSS, R. Welcome to the Cultural Revolution. Octoder, 77, p. 83-96, 1996.
MARTINS, R. Porque e como falamos da cultura visual? Porque e como falamos da cultura visual? Goiânia. 4 2012.
MIRZOEFF, N. O direito a olhar. ETD-Educação Temática Digital, 18, n. 4, p. 745-768, 2016.








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Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação Para a Ciência e a tecnologia I.P., no âmbito do projeto «CEECIND.2021.02636».