Educação Antirracista


por Fabiana Oliveira


Fabiana Oliveira
Pretória
Colagem com reaproveitamento de materiais
2019


ver também: Museu, Patrimônio, Anti-monumento

        “Tanto tempo sem professor e foram arrumar logo uma macaca para dar aula pra gente”
Boas-vindas! Recepção de uma turma do Projeto Acelera em uma escola pública, localizada em um bairro de   entroncamento na Zona Norte da Cidade do Rio de Janeiro.
Paro ou continuo a jornada?

Mas qual jornada? Quem eu sou? Onde estou? De onde vim? Como fui parar ali? Não vou ficar... Talvez seja realmente melhor voltar para a escola anterior...
Devolvo para a turma uma pergunta com a voz embargada, já esperando uma resposta ainda mais perturbadora: “Ao longo da vida escolar, quantas professoras negras vocês tiveram?” “Nenhuma” é a resposta.
Encruzilhadas das relações étnico-raciais e Educação.
Estou em uma escola pública, cravada em um território preto, marcado pela violência, diante das crias de um morro considerado um dos berços do samba e mesmo assim não me reconheceram ou não nos reconhecemos.

“Você ri da minha roupa
Você ri do meu cabelo
Você ri da minha pele
Você ri do meu sorriso...
A verdade é que você
(Todo brasileiro tem!)
Tem sangue crioulo
Tem cabelo duro
Sarará crioulo”

(trecho de “Olhos coloridos” de Macau, 1974)

Para Moore (2007) o racismo é um sistema estrutural, historicamente construído, que aparece em práticas, atitudes, medidas e políticas. Ou seja, tem a ver com exercício de poder e está tão enraizado em nossa sociedade que faz com que pessoas negras sejam conduzidas ao equívoco de reproduzir discursos racistas e preconceituosos.

“Mestiço camaleão
Mudava de cor com a situação
trocava a pele como serpente
para se defender

preto no meio dos brancos
mestiço no mundo dos negros
vestia uma pele diferente a cada momento
para sobreviver”

(trecho de “Mestiço Camaleão”, de Cristiane Sobral, 2012)

Que desafio...
Para o pensador pan-africanista Molefi Asante (2013), as escolas refletem a sociedade que as criam e a educação é um fenômeno social que tem como último objetivo a socialização do aprendente. Entretanto, a educação ainda se apresenta como uma instância importante para enfrentar o racismo e as distorções das representações raciais, mas isoladamente não pode dar conta das desigualdades raciais.
No Brasil, desde a década de 1970, tem-se avançado a partir do legado do Movimento Negro e tantos outros grupos, coletivos e organizações que construíram uma agenda propositiva de educação antirracista. A legislação educacional brasileira, com destaque para as Leis 10639/03 (Educação das Relações Étnico-Raciais, Ensino de História Cultura Afro-Brasileira e Africana) e 11645/08 (História e Culturas dos Povos Indígenas), tem contribuído com elementos para práticas educativas antirracistas e decoloniais importantes, porque criam possibilidades para que a estrutura racista seja enfrentada, combatida e ressignificada. Porém, estudos apontam que ainda é preciso reconhecer a complexidade entre o cumprimento desses dispositivos legais e a agenda educativa brasileira pautada em currículos escolares, formações e concepções de educação que não superaram o eurocentrismo.
Segundo Arroyo (2011), o currículo escolar é um território em disputa e traz à tona o cenário político-pedagógico de uma sociedade, sua conjuntura e sua estrutura. Dentro dos espaços legalizados oficialmente para ensinar, ele é a instância que delibera e define a linha de estudos, os conteúdos e o que deve ser ensinado, aprendido e avaliado.

“Brasil, meu nego
Deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra

Brasil, meu dengo
A Mangueira chegou
Com versos que o livro apagou
Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento
Tem sangue retinto pisado
Atrás do herói emoldurado
Mulheres, tamoios, mulatos
Eu quero um país que não está no retrato”

(trecho Samba Enredo Histórias para ninar gente grande, Estação Primeira de Mangueira 2019)

É preciso considerar que a educação não se limita às instituições de ensino. Existem espaços mais férteis de educação não formal e outras perspectivas que reconhecem a relevância do debate sobre as desigualdades étnico-raciais, respeitam à etnodiversidade e fazem resistência em prol de uma sociedade justa, plural e democrática.
Para continuar a jornada no espaço de educação formal, foi preciso transpor os muros da escola e retomar minhas lembranças e memórias das feijoadas e rodas de samba do quintal da família. Quilombo. Raízes. Linhagem criativa. Balaio Criativo de Sabenças.
No retorno, trago no balaio a proposta de um projeto pedagógico a ser desenvolvido com uma nova turma. A partir do compartilhamento de saberes entre os festejos do meu quintal e o morro berço do samba, quem sabe agora a gente se reconhece e juntos possamos (re) afirmar nossa identidade, fortalecer nossos laços de pertencimento e abrir outras possibilidades de construção de uma educação antirracista de forma participativa e problematizadora?
Conhecer nossa história é afirmação e a Educação antirracista carece de uma metodologia que envolva a observação, escuta e diálogo.
“Professora, a senhora nunca morou em morro?”
Paro ou continuo a jornada?
Avante! Do balaio retiro agora a afetividade como antídoto para o racismo.

Bibliografia:

ARROYO, Miguel. Currículo, território em disputa. Petrópolis: vozes, 2011. 374p.
ASANTE, Molefi. “Afrocentricidade e Educação para senda do progresso: Brasil e EUA”. Tradução Ana Monteiro Ferreira. In: CARVALHO, Carlos Roberto; NOGUERA, Renato;
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Unesp, 2000.
GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: Vozes, 2017.
MOORE, Carlos. Racismo & Sociedade: novas bases epistemológicas para compreensão do racismo na história. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007.
NASCIMENTO, Abdias do. O quilombismo. Petrópolis: Vozes, 1980.
SALES, Sandra Regina. Relações Étnico-Raciais e Educação: contextos, práticas e pesquisas. Rio de Janeiro: NAU/EDUR, 2013.
SOBRAL, Cristiane. Gotas de Azeviche (poema) https://cristianesobral.blogspot.com/2015/11/gotas-de-azeviche.html





perMARÉ perMARÉ perMARÉ perMARÉ perMARÉ perMARÉ

Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação Para a Ciência e a tecnologia I.P., no âmbito do projeto «CEECIND.2021.02636».