Favelas
por Isabela Souza

Fotografia: Monara Barreto, Imagens do Povo.
ver também: Arte Contemporânea Afrobrasileira - Educação Antirracista - Utopias periféricas
As favelas são territórios de invenção e reexistência. São espaços coletivos que carregam, simultaneamente, as marcas históricas do racismo, da colonialidade e da desigualdade social no Brasil, e a potência de formas outras de vida, de cidade, de estética e de política. Desde sua emergência, as favelas foram nomeadas a partir do ponto de vista do Estado e das elites urbanas: lugares da falta, da informalidade, da ameaça. No entanto, o que pulsa cotidianamente nesses territórios é um modo de habitar que cria cidade desde a borda, desde a margem, mas sem jamais se reduzir a ela.
Descolonizar o conceito de favelas é romper com a lógica que as define como ausências — ausência de infraestrutura, de civilidade, de valor — e reconhecê-las como presenças plenas: de saberes, de práticas urbanas, de cosmologias, de insurgências. As favelas são territórios vivos, não apenas conjuntos de casas empilhadas, mas redes de memória, cuidado, afeto e produção simbólica. São lugares onde a cultura não é um apêndice da vida, mas sua forma de sustento e expressão. Onde as artes brotam do chão, entre vielas, becos, lajes, becos, cozinhas e terreiros — e apontam para outros futuros possíveis.
Favelas não podem ser vistas como “não-cidade”, mas como crítica viva à cidade tal como foi estruturada pelo colonialismo, pelo patriarcado e pelo capitalismo. Elas tensionam o modelo hegemônico de urbanidade e desafiam as narrativas que organizam a cidade a partir da norma branca, masculina, heterocentrada e rica. A partir de suas práticas cotidianas, as favelas propõem outras éticas e estéticas da convivência, outras formas de comum, outras temporalidades e materialidades. É nesses territórios que se gestam políticas públicas situadas, modos populares de planejamento urbano, de artes que historicamente reconfiguram o centro e a periferia, pedagogias antirracistas e feministas, formas de espiritualidade e de conexão com a ancestralidade.
Para pensarmos as favelas como conceito, é necessário recusar a dicotomia entre falta e superação, carência e resistência, pobreza e criatividade. É preciso assumir que esses territórios não são apenas lugares de resposta, mas também de formulação. E que as respostas que produzem, como as práticas curatoriais insurgentes, os projetos de educação popular, os movimentos de comunicação comunitária, os coletivos de mulheres negras, os quilombos urbanos, os espaços autônomos de arte e política, são epistemologias situadas, que ensinam, desafiam e transformam.
Por fim, é urgente que as favelas deixem de ser apenas objeto de políticas públicas, de estudos acadêmicos ou de narrativas salvíficas. Que sejam reconhecidas como territórios políticos, estéticos e epistêmico. Que falem por si, a partir de si e para muito além de si. As favelas são, em sua radical multiplicidade, parte indispensável da cultura brasileira — e também da sua reinvenção.
bibliografia
BARBOSA, Jorge Luiz. Remover ou conter as favelas? Eis uma falsa questão. Disponível em:https://observatoriodefavelas.org.br/wp-content/uploads/2021/07/Remover-ou-conter-as-Favelas_Por-Jorge-Luiz-Barbosa.pdf
OBSERVATÓRIO DE FAVELAS, O que é favela afinal?, Disponível em: https://observatoriodefavelas.org.br/wp-content/uploads/2010/08/o-que-e-favela-afinal.pdf
SILVA, Jailson de Sousa e. As práticas culturais das periferias mobilizando a cidade. In MESSEDER, Carlos Alberto; BRANCO, Carla. 40 vozes do Rio: avaliações e propostas culturais para uma cidade única. Rio de Janeiro: Biblioteca Rio450, 2015, p. 141-146.
TAVARES, Rossana Brandão. Indiferença à diferença: espaços urbanos de resistência na perspectiva das desigualdades de gênero, 2015. Tese (Doutorado em Urbanismo) – Programa de Pós- Graduação em Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2015.
VALLADARES, Licia. A Gênese da favela carioca. A produção anterior às ciências sociais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 15, 2000.
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Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação Para a Ciência e a tecnologia I.P., no âmbito do projeto «CEECIND.2021.02636».
