Tecnologias da imagem
por Washington da Selva

Social jungle n. 2, 2019
Bordado sobre algodão cru
18 x 16 cm
Washington da Selva
ver também: corpo-território, cultivo-cultura, visualidades camponesas
Sendo tecnologia um conjunto de técnicas, processos, métodos, meios e instrumentos de um ou mais ofícios ou domínios da atividade humana, e imagem a representação, reprodução e imitação da forma de algo. Ao agrupá-las, viso analisar este termo dentro de um Tempo Histórico específico, no qual a humanidade já incorporou em seu cotidiano a utilização de tecnologias como os smartphones.
Avançamos em velocidade máxima já na metade do ano de 2025, assim como também avança o uso da inteligência artificial no âmbito da vida doméstica, do trabalho, do lazer e da escola. Neste Tempo Histórico, onde humanos não são mais "necessários" para a produção de textos, progredimos na mesma velocidade que as motosserras derrubam as árvores e o PL da Devastação é aprovado, em tempo recorde, na Câmara dos Deputados aqui no Brasil [1].
Os dados (imagens, textos, áudios, vídeos) correm em velocidade máxima. No contemporâneo, ao falar em tecnologia, parece que precisamos acionar o lugar das coisas eletrônicas produzidas pelas grandes indústrias, em grandes cidades, capitais ou territórios do Norte Global. Temos que acionar as coisas que passam por disciplinas contemporâneas como o "design", ou ainda, vislumbramos na tecnologia algo futurista e ágil.
À medida que essas tecnologias vêm tomando espaço em nosso tempo, também nos distanciamos das tecnologias que, por milênios (as primeiras evidências arqueológicas datam de aproximadamente 30.000 a.C.), estiveram em mãos humanas, como é o bordado. Atravessando o Egito Antigo (onde tecidos de linho bordados com cenas do cotidiano e figuras espirituais eram comuns), a Idade Média da Europa (o bordado era amplamente utilizado para adornar vestimentas religiosas, objetos litúrgicos e, mais tarde, roupas de nobres e reis) e o México (onde é comum que comunidades tradicionais adornem suas roupas com representações de imagens da agricultura), o bordado tem sido uma tecnologia produzida a partir de uma relação entre o espaço cultural do ser humano com sua dimensão histórica, social e ecológica. E, sobretudo, ele implica um valor para esses povos, seus rituais e suas cosmovisões. É um saber-fazer que vem do tempo de nossxs avós [2], e que precisamos continuar para garantir a nossa existência e a existência de tudo que nos cerca.
Em certa ocasião, ouvi de uma pessoa que é designer (e que pertence a um contexto hegemônico) que comparou as "roupas tecnológicas", também conhecidas como segunda pele, produzidas pelo contexto industrial, branco e ocidental, com as vestimentas de frio produzidas por comunidades tradicionais. Essa pessoa afirmou que as primeiras são "melhores", mesmo que as segundas, na maioria das vezes, utilizem procedimentos de baixo impacto ambiental. O que quero dizer é que existe uma distância cultural extremamente forte na forma como o pensamento colonial impõe seu valor sobre o valor do outro. A violência é clara quando optam por negligenciar os valores ancestrais de comunidades que por gerações desenvolveram tecnologias de sobrevivência com peças frequentemente criadas através de lã (animal) e/ou algodão/linho (vegetal) para proteger do frio noturno e do sol forte. E mais do que isso, essas peças sempre carregaram valores culturais, com cores e padrões que adornam significados simbólicos e espirituais. Que inteligência é essa onde se sobressai a tecnologia em detrimento da saúde humana e ambiental? Essas “roupas tecnológicas”, muitas das vezes compostas por materiais sintéticos que não se inserem no ciclo de regeneração das coisas orgânicas. Em "Ressignificando a cidade colonial e extrativista", o educador Mario Rodrigo Ibáñez afirma como "a cidade identificou-se como distanciamento do camponês, e em nosso continente invadido isso significa, também, distanciamento do indígena, em oposição ao rural, relacionado com a 'dependência' dos ciclos da Natureza" (Ibáñez, 2016, p. 297), considerando positivo o que é produzido pela cidade e estereotipando e marginalizando tudo que é produzido pelos outros grupos sociais.
Os ciclos da natureza estão diretamente conectados aos ciclos do nosso corpo, tenho manualmente gerado imagens têxteis baseadas em fotografias digitais enviadas pela minha mãe (Dona Maria Aparecida da Silva), tiradas por ela a partir da câmera de segurança instalada em sua casa em minha cidade natal (Carmo do Paranaíba - MG), uma cidade rural localizada no Cerrado mineiro. A série de bordados Social Jungle, iniciada em 2019 e atualmente com 34 peças, tem sido sobre a comunicação que surge através da relação de afeto de mãe, filho e território. A imagem que é tirada de forma digital por Dona Maria (ex-produtora rural semi-analfabeta) atravessa o meu território natal, viaja e bate no satélite, até chegar no meu aparelho celular, em um determinado ponto do mapa onde me encontro quando produzo cada bordado desta série.
Na obra Social Jungle N. 2 (2019), a vizinha de minha mãe, e também sua comadre, Dona Nega, aparece carregando uma tela de galinheiro para cercar as galinhas de sua roça. A cena é bordada em uma linha prateada, assim como as representações da tela do galinheiro, da paisagem da cidade rural e a moldura de celular que cerca toda a imagem. A obra, baseada na fotografia que minha mãe fez, se torna um retrato e cria uma cartografia humana, da paisagem, da comunicação, da comunidade, do tempo; são ecologias que circundam uma situação muito específica, onde territórios são "tateados", adornados, documentados. Bordar uma imagem que sai de um celular (lugar onde olhamos e tateamos diariamente) e percorrer essa imagem através do gesto de bordar (olhar e "tatear" essa imagem no tecido até que ela apareça). Se a arte tem a qualidade de guardar em si o seu tempo histórico, então utilizo tanto as tecnologias de imagens do "passado" em diálogo com as do "presente". Assim como, também, é importante tensionar essas fronteiras entre o que é analógico e o que é digital, tramitando críticas acerca dos mínimos gestos que orientam a sociedade ao distanciamento de sua natureza temporal.
[1] O PL da Devastação é um projeto que acaba com a exigência de licenciamento ambiental para grande parte do agronegócio e obras poluidoras, permitindo desmatamento, mineração e construção sem estudos de impacto, ameaçando florestas, rios e comunidades. <https://www.instagram.com/p/DMMlC32MuPH/>. Acesso em: 17 de jul. de 2025.
[2] O bordado no Brasil tem sido extensamente cuidado e transferido por gerações de mulheres nas famílias. Nesta relação entre trabalho e gênero, é necessário compreender a divisão sexual do trabalho e as limitações impostas por lógicas coloniais que categorizam os saberes em binarismos de feminino e masculino, assim como subjugam esses fazeres.
bibliografia
Ibáñez, Mario Rodrigo (2016). Ressignificando a cidade colonial e extrativista: Bem Viver a partir de contextos urbanos. In: Dilger, Gerhard; Lang, Miriam; Pereira Filho, Jorge. (Orgs). Descolonizar o imaginário: debates sobre pós-extrativismo e alternativas ao desenvolvimento. Editora Elefante, 2020.
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Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação Para a Ciência e a tecnologia I.P., no âmbito do projeto «CEECIND.2021.02636».
