Educação musical


por Elisabeth Évora Nunes


Arquivo Gulbenkian: Agência Portuguesa de atualidades fotográficas APAF.
Curso de iniciação Musical Infantil, Método Edgar Willems, professora Vitória Reis, 1960.


ver também: Gesto perdido, Marioneta

           
           Sendo o som, a faceta mais importante na vida humana, desde a fase intrauterina até à paragem do coração - designada por morte -, qual o seu papel fundamental na Educação Musical? O feto já reage ao som; e é o último sentido a perder-se, testemunhando o fim de qualquer animal. A criança começa por ouvir cantar para a adormecerem. O ritmo acompanha-nos toda a vida, condicionando os comportamentos, como também na relação sexual. Comecei a ler notação musical aos 3 anos, antes de ler letras, ao colo, ao som do canto da minha mãe, como pelo teclado do piano.

Nos festivais, a música é tanto expressão emocional como forma de racionalidade; tem sido constante nas romarias, quermesses, tômbolas, cavalhadas (perícias a cavalo) e vacadas (momentos cómicos, de burro) -integrando o estudo da Musicologia. Com a eliminação da censura política pela revolução pacífica de 25 de Abril ‘74, concretizou-se a abertura, generalizada na cultura portuguesa, às manifestações musicais que eram reservadas às classes dominantes.

Há vários métodos usados na Educação Musical -desde o ouvido até à sensibilidade musical, como processo de comunicação e de educação auditiva-, iniciada pela aprendizagem dos sons que constituirão a linguagem estruturante da formação mental. Assim, pedagogicamente, têm-se desenvolvido vários métodos de aprendizagem, em interacção com o movimento; e de recuperação em casos de constrangimento mental, verificando-se, cientificamente, a sua influência no desenvolvimento dos hemisférios cerebrais. Em Portugal, a consciencialização das implicações socio-culturais de uma Educação Musical integral, permite compreender como a Música contribuiu para a passagem de uma ditadura de 40 anos, com muitas décadas de atraso cultural, para a liberdade de expressão, paridade e até propulsão cultural internacional; passando pela valorização do trabalho feminino e a acessibilidade inter-gerações, níveis económicos e de educação ou correntes estéticas.

Num estudo de caso da influência da educação musical na autonomia e crescimento sócio-culturais de um povo, com enfoque em Portugal, emergem dois factores decisivos: O incremento cultural criado pela Fundação Calouste Gulbenkiam -FCG (‘55), com caráter interdisciplinar (Arte, Educação, Ciência e Beneficência) e internacionalista, sediada em Lisboa, com delegações em Paris e Londres. E o movimento reformador derivado de 25 de Abril ‘74.

Esta Fundação inicia, democraticamente, Cursos de Verão de Regência Musical (para regentes corais e com finalidade pedagógica), complementando formação a professores da área de Música e regentes de grupos corais. Cria o Serviço de apoio a crianças com limitações de aprendizagem; e, complementarmente, o Centro de Investigação Pedagógica; aqui, a convite de Delfim Santos, Rui Grácio coordena uma equipa especializada: Marinho, Breda Simões, Mª Augusta, Natália Pais e Arquimedes Silva Santos (1). É seminal na FCG, e na cultura portuguesa/internacional, a inovação incrementada por Madalena Azeredo Perdigão (2) MAP, deve-se-lhe a criação pioneira, em ’58-‘74, da Orquestra de Câmara -posteriormente Sinfónica-, do Coro e do Ballet Gulbenkian; Festivais de Música (’58-’70), abertos às populações; Bolsas para estudos superiores e de criação; Conservatórios e recursos em áreas não cobertas pelas valências educativas e artísticas estatais.

Pós 25 Abril ’74, até ’84, a energia da revitalização da Educação Musical por MAP, simultaneamente com a liberdade de expressão conquistada pelo Movimento das Forças Armadas, que faz Campanha Cultural/Alfabetização, pelo país, florescem em criações musicais de canto livre popular: a canção Grândola, na Rádio, fora a senha para a revolução pacífica. Difundem-se baladas antes proibidas (Zeca Afonso: Vampiros), ou Mãe Negra e Menino do Bairro Negro, abrindo mentalidades para pensar a descolonização sequente; e difundem-se composições eruditas como Acordai, de Lopes Graça -que circulava em papel-químico clandestino-, e que passa a integrar Actos Académicos. Neste período, transitando MAP para a direcção do recém-criado Gabinete Coordenador do Ensino Artístico no Ministério da Educação, aponta-se a uma reestruturação generalizada sustentável da Educação Musical, na Escolaridade obrigatória portuguesa (’75) -por vezes com hiato no 3º Ciclo (12-15 anos) ainda por não haver professores suficientes-: torna-se a via expressiva favorita de os jovens exteriorizarem a sua alegria e crítica, partilhando causas em vastos festivais; inovada à medida do evolver social/redes/tecnologias -até ao hip-hop, com ritmos afro-sul americanos; e, para todos, a música torna-se um factor equilibrante da qualidade de vida e integração na contemporaneidade.

Notas
(1) https://www.ulisboa.pt/evento/atribuicao-do-doutoramento-honoris-causa-arquimedes-da-silva-santos
(2) https://gulbenkian.pt/biblioteca-arte/artist/madalena-de-azeredo-perdigao/




perMARÉ perMARÉ perMARÉ perMARÉ perMARÉ perMARÉ

Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação Para a Ciência e a tecnologia I.P., no âmbito do projeto «CEECIND.2021.02636».