Marioneta


por Helena Vaz


Marionetas de S. Lourenço. Fotos - Autores não identificados:
Representação de uma peça na carroça / Mestre Lino, criador de maquinaria de cena / Itinerância, 1976. 


ver também: Movimento, Desenho

           
           Quando Pigmalião, o deus escultor misógino, depois de várias tentativas de encontrar a mulher ideal, por fim, a partir do barro, cria Galateia, Vénus – animada de trágicas intenções -, insufla-lhe vida. Pigmalião apaixona-se por Galateia. O que se segue, não interessa mais aos marionetistas, mas sim, ver que o criador se apaixona pelo ser criado.                                                                    

Esta é uma vivência que evoco, do meu percurso enquanto artista plástica criadora e manipuladora de marionetas, que pode ser importante para muitos marionetistas. Pelo deslumbramento pela arte das ruas, pelo saltimbanco que se contorcionava no seu tapete, pelos actores que cuspiam fogo, pelas vozes roucas no Metro e pela sua sedutora melodia, como me aconteceu quando estudava pintura em Paris, decidi que o que quer que viesse a fazer no futuro no domínio plástico, teria um componente teatral. Na sequência de construir esculturas, pensei que pediam movimento; e um passo rápido a partir da escultura movimentada foi: a criação de marioneta.

A interacção da experiência vivida pelos marionetistas e da emergência envolvente, pode abrir a novas perspectivas de expansão da marioneta, com repercussão social muito pertinente e relevante: Em plena adolescência, eu lera um livro de Vítor Hugo, O Homem que ri, que considero uma das grandes referências para o meu percurso de vida: tratava-se de uma carroça-espectáculo, puxada por um lobo, que era simultaneamente casa de habitação de um velho comediante. Quando em 1976, pós-revolução do 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas lançou campanhas culturais e de alfabetização por todo o país, nestas integrou-se a Companhia já profissionalizada - Marionetas de S. Lourenço -, que co-fundáramos com José Alberto Gil, inicialmente na Escola AR.CO, Graça, Lisboa; e concretizámos a carroça-espectáculo, a partir de uma carroça agrícola da Glória do Ribatejo, começando-se a sua itinerância – por vezes, com 8 km a pé para se realizar num dia, espectáculos em duas aldeias. As Marionetas de S. Lourenço  apresentaram «The tears of Maria Parda» (Gil Vicente) e «The tricks of Santa Isabel», no 1º Festival Internacional de Marionetas de Londres, 1980, prosseguindo a sua internacionalização por Nancy e Europa, até à Índia e à China. A Companhia encenou e representou extensamente, incluindo a História do Soldado de Stravinsky, na comemoração do centenário do seu nascimento (1982). E só parou com a morte de Gil (1999).


Elisabete Oliveira
Maqueta (lápis)Cartaz manual a pastel de óleo (50x70 cm)
Marionetas de S. Lourenço, 1º Festival Internacional de Londres, 21 e 22 Março 1980.



A consciência do potencial da marioneta para a educação estética infanto-juvenil, consciencialização cívica e formação de novas mentalidades, levou à criação do Museu Nacional da Marioneta (1993), no Largo Rodrigues de Freitas, Graça, Lisboa, onde o desenvolvimento do Serviço Educativo foi uma das mais belas conquistas: terão sido mais de 60000 os visitantes - 2/3 infanto-juvenis, e adultos -, de 58 nacionalidades. Fazia-se uma abordagem científica da Marioneta, integrando: A intemporalidade da marioneta; as motivações históricas e geográficas; a explicação, através da marioneta, de conceitos como o da ubiquidade; e de noções como as de infinitamente grande e infinitamente pequeno, através do rótulo de uma lata de Fermento Royal. Parte do acervo deste Museu, integrou o actual Museu Nacional da Marioneta, Convento das Bernardas, Lisboa.

O alcance expressivo-social da marioneta, acompanha a emergência social, com a respectiva inovação tecnológica:  além da música de Gil, e da escultura das marionetas, a maquinaria de cena foi fabricada pelo Mestre-marceneiro Lino; e ensaiaram-se algumas marionetas-objectos, movimentadas sem intervenção humana, salvo na ligação à electricidade; tendo como referência, a documentação Science et Vie

Acentuo a necessidade visceral de criar e produzir; e de que as actuais e novas gerações, ajam na vida em consequência das suas motivações: Como disse Saint Exupéry: Para que não haja em cada um de nós um Mozart assassinado.




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Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação Para a Ciência e a tecnologia I.P., no âmbito do projeto «CEECIND.2021.02636».