Não performance


por Fabián Cevallos Vivar


Fotografia do painél com o mapa português do mundo.
Na entrada do parque Portugal dos Pequenitos, em Coimbra.
"Pavilhão Portugueses pelo Mundo", parte da Exposição do Mundo Português de 1940, uma exposição de exaltação imperialista e colonial por parte do regime do Estado Novo.
A frase "E se mais mundo houvera, lá chegara" é uma célebre estrofe de Luís de Camões em "Os Lusíadas", canto VII, estância 14. Usada para representar o "espírito de exploração e expansão do Império Português".

ver também: performance, arquitetura, movimento

           
           A performance inclui um complexo sistema cognitivo que inclui o corpo, os gestos e signos. Como toda linguagem, ela envolve relações de poder e hierarquias de classe, raça, sexo e género que são tanto coletivas como individuais. Na formulação da Judith Butler, teórica da performance, nomear é reproduzir uma realidade. Performar é representar. Neste modelo de pensamento a linguagem funciona, primariamente, através de atos constantes ou performativos. Fica estabelecida assim uma relação passado-presente que é obrigatoriamente direta.

Segundo Butler, os sujeitos estão constituídos por estes atos repetitivos: ‘‘a performatividade deve ser entendida não como um “ato” singular ou deliberado, mas sim como a prática reiterativa e citacional pela qual o discurso produz os efeitos que nomeia’’ (Butler, 1993: 2). Uma falha no ato performativo vem a ser considerado como um erro nessa estrutura unidirecional posto que a não performatividade seria o incumprimento do ciclo discurso-realidade.

Na proposta do feminismo do erro ou feminismo glitch de Legacy Russell “a falha é celebrada como um veículo de recusa, uma estratégia de não performance. Essa falha visa tornar abstrato novamente aquilo que foi forçado a se transformar em um material desconfortável e mal definido: o corpo” (Russell, 2020: 14). De esta forma, o que Russell propõe é que é importante analisar a forma em que as pessoas participam para gerar maior agência e autodeterminação nos processos lançando, ao mesmo tempo, as perguntas de quem define o material, o seu valor e porque o faz.

Se o interesse é entender os processos identitários como fluidos, processuais e em processos não só representacionais, de facto, não existe uma relação unilateral de causa/consequência, da linguagem para a realidade. Nesse sentido, questionar a gramática dominante envolve considerar o conceito de não performatividade porque possibilita entender as dinâmicas de poder, as linguagens institucionais e os estereótipos que reproduzem subjetividades fixas.

Para Sara Ahmed não se trata de negar a performatividade, mas de pensar que a linguagem também traz ações que ocultam a realidade. De facto, muitas vezes serve para reproduzir o status quo criando uma ilusão de progresso sem uma transformação substantiva. Nesse sentido, Ahmed procura estabelecer uma diferença entre o que se nomeia e os efeitos que são produzidos pela linguagem performativa, e sobre como o discurso, especialmente aquele que é institucional, pode funcionar para manter as estruturas de poder sem modificar o promover mudanças.

No meu modelo do não performativo, a falha do ato de fala em fazer o que diz não é uma falha de intenção ou mesmo de circunstância, mas é, na verdade, o que o ato de fala está fazendo. Tais atos de fala são assumidos como se fossem performativos (como se tivessem produzido os efeitos que nomeiam), de modo que os nomes passam a representar os efeitos. Como resultado, nomear pode ser uma forma de não efetivar algo (Ahmed, 2012: 117).


O Portugal dos Pequenitos, é um exemplo emblemático de como a memória colonial ainda é performada em forma de espetáculo infantilizado. Inaugurado em 1940, é um parque temático e museológico que reproduz, em miniatura, monumentos portugueses e construções das ex-colónias em Coimbra. Idealizado por Bissaya Barreto, uma figura ligada ao Estado Novo, foi construído com a intenção de educar as crianças sobre a “grandeza do Império Português”, alinhado à ideologia colonial. O Parque realiza uma não performatividade, na medida em que fala de diversidade cultural, necessidade de educação crítica, mas sem transformar de fato as estruturas simbólicas e físicas do passado colonial.

Baixo uma representação exotizante e estereotipada das ex-colónias defende uma “harmonia imperial” e inferioridade cultural em relação à metrópole portuguesa. Embora a performance atual do museu tenha o interesse de “contextualizar as representações coloniais”, este escudo institucional performático protege ao museu das críticas mais incisivas. Visto desde um âmbito não performativo no Portugal dos Pequenitos:

- Não existe uma mudança física nem intervenções visuais que desafiem o caráter triunfalista, salvador e herói de Portugal na história.

- Na narrativa do museu não se explica o passado, de facto se evita usar termos como: racismo, violência colonial e escravatura.

- Nenhuma das comunidades representadas é envolvida na curadoria, mediação ou reinterpretação dos espaços.

- A museografia não questiona o imaginário colonial e é insidiosa no uso de miniaturas arquitetônicas que reforçam uma visão exotizante e simplificada dos povos.

Assim, é importante identificar os atos não performativos para abrir espaços de transformação mais genuínos. A não performatividade é uma ferramenta analítica forte que possibilita entender os limites dos discursos institucionais. Muitas instituições constroem narrativas simbólicas de justiça e inclusão que não apenas falham em produzir mudanças reais, mas também servem para legitimar a continuidade da exclusão e da desigualdade.


bibliografia

Ahmed, Sara (2012). On being Included. Racism and Diversity in Institutional Life. Durham and London: Duke University Press.
Butler, Judith (1993). Bodies That Matter: On the Discursive Limits of ‘‘Sex.’’. New York: Routledge.
Russell, Legacy (2020). Glitch Feminism. A manifiesto. New York and London: Verso.




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Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação Para a Ciência e a tecnologia I.P., no âmbito do projeto «CEECIND.2021.02636».