Introdução
O propósito central deste livro é reunir conceitos para uma crítica anticolonial da estética. Os estudos pós e decoloniais, assim como os feminismos contra hegemônicos, têm sido uma pauta recorrente para autoras e autores que, a partir de seus contextos e perspectivas teóricas, problematizam as diversas tensões presentes no campo das artes.
Neste sentido, com a escrita deste Glossário Anticolonial para as Artes, não buscamos reinventar ou fixar um novo cânone estético. Em oposição ao pensamento iluminista, que criou a ideia de um compêndio de conceitos fixos e universais articulados em uma enciclopédia, a proposta deste livro é explorar usos diversificados, desmistificar as relações de poder e hierarquia presentes nas gramáticas e linguagens sociais, e analisar as genealogias difusas dos saberes críticos sobre a persistência insidiosa dos “colonialismos” e dos “heteropatriarcados” nas estruturas epistemológicas e ontológicas contemporâneas.
Desta maneira, buscamos dar lugar às nossas inquietações. Artistas e pesquisadoras abrem caminho para o desenvolvimento de questionamentos com o objetivo de desnaturalizar um pensamento teleológico. A elaboração de um novo léxico crítico — incompleto e em constante evolução — procura oferecer palavras-chave para um mapeamento do pensamento estético da diferença.
Mais do que um dicionário, este livro é um arquivo de pensamentos nascidos das circunstâncias artísticas enfrentadas pelos corpos que o escrevem. Um arquivo somático anticolonial que, nesse sentido, não se apresenta como um glossário de palavras, mas de conceitos compostos. Trata-se de um vocabulário em formação constante e em transformação, com pontos de vista diversos, aberto ao uso e à modificação à medida que adquirimos mais ferramentas e construímos nossa biblioteca anticolonial das artes.
Três eixos principais articulam os conceitos aqui apresentados:
- Desabamento: conceitos que questionam a matriz colonial, capitalista e heteropatriarcal, destacando a necessidade de desvinculação dessa estrutura. Exemplos: ação política artística feminista, anti-monumento, antirracismo, corpo, educação antirracista, experiências epidérmicas, feminismos, museu, periferia-centro, patrimônio, perspectiva.
- Conexão: conceitos que possibilitam a criação de lugares não convencionais e assumem o risco de imaginar novas possibilidades situadas em suas áreas temáticas. Exemplos: corpo-fílmico, corpo-político, cultivo-cultura, desenho, espacialidade, estéticas descoloniais, fronteira, memória, movimento, utopias periféricas.
- Termos familiares: conceitos que precisam ser revisitados à luz da polissemia contemporânea. Exemplos: arte contemporânea afro-brasileira, arquitetura, arquivo, cultura visual, educação artística, visualidades camponesas.
Cada entrada apresenta uma breve lista de duas ou três referências essenciais como sugestão para que leitores e leitoras construam a sua própria biblioteca. Respeitamos a marca autoral de cada contribuição sem limitações. Esta proposta coletiva reúne um grupo de intelectuais e artistas provenientes e atuantes em países como Angola, Brasil, Colômbia, Cuba, Equador, Espanha, França, Inglaterra e Portugal. Nosso mais profundo agradecimento pelas valiosas contribuições.
A desnaturalização da violência, a recusa à domesticação no uso das palavras e a indisciplinaridade são, de fato, premissas centrais desta proposta.
Fabián Cevallos Vivar
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Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação Para a Ciência e a tecnologia I.P., no âmbito do projeto «CEECIND.2021.02636».